segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

O Paralítico de Betesda


A lembrança de dias alegres não afastou a angustia que sentia naqueles derradeiros minutos de sua vida. Jesus se rende ao cansaço e deixa o corpo em contato com a terra. As mãos agarraram as partículas de pó e apertam-na entre os dedos. Isso o incomoda e então Jesus limpa as mãos nas vestes e volta à posição original.



O homem gostaria de refugiar-se no passado, mas é inútil. As horas avançam indicando que o momento fatal se aproximava. A solidão no Jardim do Getsêmani aumentava quando se lembrava da multidão que o rodeava há tão pouco tempo atrás. Foi então que surgiu uma lembrança do passado:

O dia estava clareando e ele estava caminhando pelas ruas de Jerusalém, pouco a pouco uma multidão se junta a ele. O povo o segue por todo lado, querem ouvir seus ensinamentos, querem receber curas, querem vê-lo, senti-lo, tocar em suas vestes. Jesus era agora uma figura popular e precisava conviver com isso, às vezes, até mesmo seus discípulos tinham dificuldade em controlar a multidão.

As ruas da cidade estão movimentadas, Jerusalém era uma cidade cheia de gente, de fiéis que vinham de toda a parte para oferecer sacrifícios ao Deus de Israel. Imensos portões de entrada levavam o viajante em direção a uma mistura de regozijo, paz e fé. Na páscoa, a cidade ainda se tornava mais atraente e festiva. Era prazeroso andar por suas ruas, ver seus belos e imponentes edifícios. Um dia, um de seus discípulos elogiou a bela estrutura do Templo. "Pedra sobre pedra..." Pensou o carpinteiro.

Mas naquele dia era diferente, seus passos o levaram a outro lugar, tinha que passar pela Porta das Ovelhas. Próximo a ela havia um tanque que em hebreu era chamado de Betesda. O povo gostava de contar histórias e havia uma em especial que circulava entre as gentes que de tempos em tempos, um anjo movia as águas e o primeiro que ali descesse e entrasse nas águas, sarava de qualquer enfermidade. De longe, via-se a aglomeração, eram cegos, mancos, paralíticos e enfermos a espera de um milagre.

Jesus já conhecia aquele lugar, aliás, ele conhecia cada cantinho daquela cidade. Desde pequeno seus pais faziam peregrinações em épocas festivas. Uma vez, aos doze anos, perdeu-se deles e ficou no Templo por três dias. Mas agora adulto, podia andar por onde quisesse e resolveu aproximar-se desse lugar. Ali depara com um quadro não muito atraente, o lugar estava cheio de pessoas enfermas e moribundas.

Um homem jogado num canto qualquer chama a atenção do mestre, era paralítico a trinta e oito anos e não havia ninguém que o ajudasse. Todo o dia vivenciava aquela mesma cena, em vão tentava se arrastar entre as pedras para chegar às águas. E outros com mais agilidade passavam a sua frente e recebiam a cura. Saiam felizes, glorificando a Deus, acompanhados de amigos e parentes. Outros passavam por cima do pobre paralítico, pisavam nele, empurrando-o para o lado e seguiam seus caminhos. O pobre o homem já sem forças recolhía-se em um canto e ficava ali gemendo, chorando, a espera de um milagre.

O homem de Nazaré, o Profeta, O Messias, Mestre, Jesus Filho de Davi, ou seja lá como o chamassem, chegou perto do paralítico. Não podia ficar alheio a sua dor e num gesto de misericórdia falou:
- Queres ficar curado?

O homem olha para cima e contempla a sua frente um homem forte, com braços largos, filho de carpinteiro, acostumado a trabalho braçal. O rosto queimado do sol de tantas andanças. Do modo como se vestia. parecia um judeu comum. Mas o doente não estava em posição de rejeitar ajuda e conta sua triste história. Com lágrimas nos olhos diz que agora já era tarde, que o anjo já tinha movido as águas e alguém fora abençoado.

Jesus sorri concordando que conhecia aquela história. Desiludido o pobre paralítico imagina que se Jesus tivesse chegado um pouquinho mais cedo, só um pouquinho mais cedo, poderia ter ajudado a entrar no tanque. Certamente ele abriria caminho no meio da multidão e o colocaria nas águas.

Mas ainda não era tarde para um milagre. Jesus se compadece do pobre homem e fala com autoridade:
- Levanta! Toma tua cama e anda!
- Hum?! O homem parece confuso. Levantar?
- Levanta e anda! Repete o Mestre.

A voz de Jesus entra pelos ouvidos do paralítico como voz de trovão. O corpo estremece. Os ossos do corpo começam a estalar e as pernas se esticam. O homem crê. As forças se renovam. E depois de tantos anos, ele consegue ficar de pé.

Atordoados, muitos dos que ainda circulam pelo tanque parecem não acreditar naquele milagre. Um reboliço de vozes e comentários. Alguém chora de alegria. O homem tenta dar o primeiro passo, mas cambaleia. Tenta de novo e dá outro passo. Logo está andando de um lado para outro. Passos firmes. As pessoas começam a glorificar a Deus. O homem que era paralítico agora está correndo, saltitando de alegria.

Jesus precisa continuar seu caminho e sai dali. Curado daquela enfermidade, o homem também vai para a cidade. Excluído da sociedade há tantos anos, agora caminha pela rua levando a cama, sem se dar conta que era shabat.

Marion Vaz

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