Parece que tudo virou de ponta cabeça. Realmente, não sei mais o que é normal. Desde pequenos recebemos todo tipo de informação, seguimentos religiosos, conduta moral, tratamento social. Não importa o tipo de família onde se nasceu. Tem sempre alguém disposto a te ensinar a ser uma pessoa melhor e a se cuidar: Não falar com estranhos. Seja paciente. Respeitoso. E não tem nada de errado nisso.
O mundo precisa de gente, gente. Pessoas justas e com sangue correndo nas veias. E neste período de pandemia percebi mudanças significativas no trato, na fala, no modo de se olhar alguém. Talvez seja esta insegurança que o vírus traz, de não se saber ao certo quem está doente ou não, que acaba nos deixando mais sensíveis. Porque pensamos que talvez nunca mais vamos ver aquela pessoa, ou, quem sabe, se formos mais gentis viveremos mais.
Outro dia, estava parada num ponto de ônibus com uma bolsa pesada de mercado. Mal conseguia respirar. Apoiei a "dita-cuja" no chão e fiquei esperando. O ônibus veio e como de costume fiquei pra trás. Um senhor com seus 60 anos me olhou e me deixou passar a frente dele. Na hora de descer, uma senhorinha com mais de 70 anos tentou me ajudar com a bolsa. Falei: Não precisa. Está pesada! - Imaginei que seria muito pra ela. A mulher insistiu em me ajudar respondendo: Tudo bem, eu sei como é isso. Sorri, agradeci e segui meu caminho.
No início da contaminação por Covid-19 ficávamos apreensivas até mesmo se deveríamos dar um simples bom dia. Aquele medo apavorador nos afastava dos outros. Deixamos de ser humanos por muito tempo. À medida que o tempo passou e a contaminação piorou, muita gente se foi. Perdemos amigos, conhecidos e parentes. Choramos por alguém que nem conhecíamos pessoalmente. Ficamos sós. Confinados em pequenos cômodos. Não deixava nem minhas filhas saírem no quintal embora que não desse pra ver o mundo do terraço. Lembro-me do primeiro dia que pude ir a um shopping depois de meses trancada em casa. A sensação boa de liberdade se confundia com o medo de olhar para alguém.
O nosso normal foi sendo traçado como uma teia de aranha. Ficamos presos, soltos, presos novamente e quanto mais nos mexíamos maior o perigo. Mas enfim, perdemos o medo. E saímos na rua hoje com nossas máscaras no rosto, as mãos higienizadas, nosso álcool em gel na bolsa e trocamos de roupa ao chegar, enfrentando nossas incertezas mas olhando cara a cara para quem está à nossa frente. Enxergando no outro, outra pessoa. Alguém que sofre das mesmas dúvidas, da solidão, do desconforto. Respeitamos as regras, os espaços pré determinados. Sorrimos mais com os olhos, falamos com as mãos. Damos preferência à vida. Somos solícitos e mostramos carinho com um desconhecido.
Seria esse o nosso novo normal?
Marion Vaz