sábado, 22 de maio de 2021

Não sei mais o que é normal

Parece que tudo virou de ponta cabeça. Realmente, não sei mais o que é normal. Desde pequenos recebemos todo tipo de informação, seguimentos religiosos, conduta moral, tratamento social. Não importa o tipo de família onde se nasceu. Tem sempre alguém disposto a te ensinar a ser uma pessoa melhor e a se cuidar: Não falar com estranhos. Seja paciente. Respeitoso. E não tem nada de errado nisso.

O mundo precisa de gente, gente. Pessoas justas e com sangue correndo nas veias. E neste período de pandemia percebi mudanças significativas no trato, na fala, no modo de se olhar alguém. Talvez seja esta insegurança que o vírus traz, de não se saber ao certo quem está doente ou não, que acaba nos deixando mais sensíveis. Porque pensamos que talvez nunca mais vamos ver aquela pessoa, ou, quem sabe, se formos mais gentis viveremos mais.

Outro dia, estava parada num ponto de ônibus com uma bolsa pesada de mercado. Mal conseguia respirar. Apoiei a "dita-cuja" no chão e fiquei esperando. O ônibus veio e como de costume fiquei pra trás. Um senhor com seus 60 anos me olhou e me deixou passar a frente dele. Na hora de descer, uma senhorinha com mais de 70 anos tentou me ajudar com a bolsa. Falei: Não precisa. Está pesada! - Imaginei que seria muito pra ela. A mulher insistiu em me ajudar respondendo: Tudo bem, eu sei como é isso. Sorri, agradeci e segui meu caminho. 

No início da contaminação por Covid-19 ficávamos apreensivas até mesmo se deveríamos dar um simples bom dia. Aquele medo apavorador nos afastava dos outros. Deixamos  de ser humanos por muito tempo. À medida que o tempo passou e a contaminação piorou, muita gente se foi. Perdemos amigos, conhecidos e parentes. Choramos por alguém que nem conhecíamos pessoalmente. Ficamos sós. Confinados em pequenos cômodos. Não deixava nem minhas filhas saírem no quintal embora que não desse pra ver o mundo do terraço. Lembro-me do primeiro dia que pude ir a um shopping depois de meses trancada em casa. A sensação boa de liberdade se confundia com o medo de olhar para alguém. 

O nosso normal foi sendo traçado como uma teia de aranha. Ficamos presos, soltos, presos novamente e quanto mais nos mexíamos maior o perigo. Mas enfim, perdemos o medo. E saímos na rua hoje com nossas máscaras no rosto, as mãos higienizadas, nosso álcool em gel na bolsa e trocamos de roupa ao chegar, enfrentando nossas incertezas mas olhando cara a cara para quem está à nossa frente. Enxergando no outro, outra pessoa. Alguém que sofre das mesmas dúvidas, da solidão, do desconforto. Respeitamos as regras, os espaços pré determinados. Sorrimos mais com os olhos, falamos com as mãos. Damos preferência à vida. Somos solícitos e mostramos carinho com um desconhecido. 

Seria esse o nosso novo normal?

 

Marion Vaz

terça-feira, 18 de maio de 2021

Até aqui nos ajudou o Senhor

De vez em quando eu me apego a um trecho da Bíblia e fico incomodada até entender ao certo, o que ele realmente quer dizer. Esta semana foi a vez de 1 Samuel 7.12. Ebenézer que em hebraico quer dizer: Pedra de Ajuda, também é nome de uma aldeia de Efraim (4.1). Lugar em que a Arca da Aliança foi tomada e levada pelos Filisteus depois de derrotarem Israel. Após sete meses e inúmeros problemas que feriram os reis e a terra dos filisteus, a Arca foi devolvida ao povo de Deus. 

Aquele período de paz não duraria muito e enfim os filisteus afrontaram novamente, porém foram derrotados. O profeta Samuel levantou um altar colocando uma pedra como memorial, um marco entre Mizpá e Sem, afirmando ao povo: "Até aqui nos ajudou o Senhor."

Interessante notar que "aqui" é um advérbio de lugar, indica um local, um território, uma determinada região que deveria ser lembrada. E como em toda história bíblica do povo de Israel em que personagens edificaram um altar ao Senhor, ali surgiu uma cidade: Jerusalém, Beit El, Beer Sheva. Em outros textos, o altar marcava a passagem do povo, uma vitória, uma aparição angelical. O certo é que erguer um altar ao Senhor significava comunhão, gratidão e fé nas promessas do Eterno.

E este termo "até aqui" não implica em retenção da benção daquele momento em diante. Não. O Senhor não parou de abençoar o seu povo. Contextualizando Samuel disse ao povo: Deus nos trouxe até aqui para nos abençoar. Porque é isso que se trata o texto. Em consequência dos pecados dos filhos de Eli a Arca da Aliança foi tomada e Israel perdeu a guerra. Mas naquele dia não, Deus havia estabelecido aquele episódio para dar a vitória que o povo precisava, a restituição da Aliança (ver 7.4), a devolução das cidades (14) e a paz com os povos vizinhos.

A lição espiritual que o texto traz é que muitas vezes somos abatidos por causa dos nossos próprios erros, porque não vigiamos, não nos incomodamos com a verdade. É muito mais fácil administrar o pecado como fez Eli em relação aos seus filhos, do que admitir o erro e corrigir. Às vezes, sofremos porque os pecados alheios respingam em nós. E muitas das vezes compactuamos com os erros e fingimos que não estamos entendendo o que está acontecendo. Foi preciso perder algo precioso (a Arca da Aliança) para que o povo decidisse por servir só ao Senhor.

Independente das nossas escolhas o Senhor continua a nos olhar, a esperar, a mover as águas a nosso favor. Ele continua fiel às promessas que fez. Que cada um possa olhar para dentro de si e buscar no que realmente tem desagradado a Deus e se corrigir, a fim de que a ajuda do Senhor chegue em tempo. 


Marion Vaz