sábado, 30 de julho de 2011

BÍBLIA COMO OBRA LITERÁRIA

A história da literatura brasileira traz uma carga crítica muito peculiar da literatura geral, a de identificação de uma obra como literária através dos princípios que regem a caracterização da literatura.

Um exemplo é a carta de Pero Vaz de Caminha, documento histórico escrito de forma descritiva ao rei de Portugal Dom Manoel. Escrita em sete páginas, pode ser considerado como primeira obra literária do país se partir do princípio ficcional existente nela.

Para elucidar os fatos devemos primeiro dar os primeiros conceitos do que é literatura. A literatura é a recriação da realidade, obra diversa que para assim ser considerada, precisa trazer em si a realidade recriada, ou seja, parte basicamente da ficção. Aquilo que se trata diretamente da realidade sem nenhuma invenção não pode ser considerada literatura, assim como não seria possível construir uma obra literária sem nenhuma relação à realidade.

Neste conceito, a literatura apresenta a ficcionalidade (explicada acima), função estética (realidade apresentada a partir de uma visão), plurissignificação (os diferentes significados que as palavras representam) e a subjetividade (exploração dos sentimentos, emoções, experiências, traumas etc.).

O nome dado a este momento literário foi Quinhentismo, reconhecido como o primeiro movimento do Brasil.

A complicação está no que se refere às características que um texto precisa ter para ser considerado literário. Como podemos considerar uma carta com um fim descritivo como obra de ficção?

Assim se iniciou a grande polêmica. De um lado alguns diziam que a carta não poderia ser literária, pois traz consigo a pura descrição sem ficção, objetividade entre outros. Por outro lado alguns teóricos reconheceram a carta como Literatura de Informação, veja como a professora Beatriz descreve estes textos:

“Os textos produzidos eram, de modo geral, ufanistas, exagerando as qualidades da terra, as possibilidades de negócios e a facilidade de enriquecimento. Alguns mais realistas deixavam transparecer as enormes dificuldades locais, como locomoção, transporte, comunicação e orientação. O Envolvimento emocional dos autores com os aspectos sociais e humanos da nova terra era praticamente nulo. E nem podia ser diferente, uma vez que esses autores não tinham qualquer conhecimento sobre a cultura dos povos silvícolas. Parece ser inclusive exagerado considerar tais textos como produções literárias, mas a tradição crítica consagrou assim.”

No começo deste trecho, a autora mostra os fatos que consagram esta obra como literária que seriam o ufanismo e o exagero, porém é clara a posição dela a este assunto em sua conclusão onde considera “exagerado considerar tais textos como produções literárias”. Ora, o próprio exagero apresentado nestes textos apresenta a recriação da realidade trazendo para eles pelo menos um dos conceitos da caracterização da literatura, a ficção.

Em meio a este primeiro problema ainda não solucionado, mesmo que seja literatura consagrada ainda não satisfaz muitos críticos, quero apontar outro grande problema que aparentemente insolúvel e que é o centro deste artigo: a bíblia pode ser considerada como obra literária?

Ao analisar este primeiro quadro perceberemos que não poderíamos considerá-la obra literária se partirmos dos mesmos princípios e argumentos utilizados para a consagração da Literatura de Informação.

O texto bíblico é bastante complexo, se considerado sua sintaxe teremos a facilidade que nos dispõe as novas versões, porém os mecanismos de compreensão são interações dentro de si, sua intertextualidade é muito voltada para relações entre os livros que ela contém, a isso chamaremos de textualidade interna.

A textualidade interna ocorre porque a Bíblia possui uma particularidade que a distingue dos demais livros, o termo Bíblia vem do grego biblos (βιβλίο) que significa livro, o plural de livro em grego é bíblia (βιβλία), isso porque a Bíblia é composta por vários livros de várias épocas e com várias estéticas. Estes livros foram aglutinados ao decorrer de um longo período e passou por vários formatos e várias composições até que fosse por fim estabelecido os livros considerados inspirados por Deus, o Cânon.

O que uniu estes livros foi uma estrutura de significados paralelos entre os livros. Esta estrutura de significados, ou textualidade interna, é que gera as crenças e doutrinas da Bíblia, ela é responsável pela coerência geral.






Ainda existe um conceito a ser explicitado sobre a textualidade interna que são as cadeias temáticas, isso porque os vários livros que compõem a Bíblia possuem uma ligação não prevista por seus autores, já que em muitos casos foram escritos em uma época igual, mas em lugares muito distantes para terem qualquer ligação temática, que formam várias cadeias de assuntos sobre vários temas particulares.

Desta forma, o mesmo Davi apresentado nas narrações dos Livros Históricos se encontra no livro dos Salmos em um mesmo período tratando de um mesmo assunto, só que em um narrado em terceira pessoa e em outro em primeira.

No caso do texto categorizado pela tradição como histórico, o “Livro das Crônicas”, Davi é observado na perspectiva do autor que conta a sua história de acordo com o ponto de vista que construíra sobre ele. No segundo caso, o Livro dos Salmos, um conjunto de cânticos, é uma coletânea das poesias voltadas a Deus no antigo testamento. Aqui elas estão sempre em primeira pessoa e são vistas da perspectiva do autor personagem. Neste caso Davi escrevia o que vivia.

Então com esta estrutura a Bíblia pode ser considerada obra literária, porém para muitos, isso significaria tirar sua autenticidade já que estaria inserindo-a em uma visão ficcional.

Consideremos o conceito de ficção, uma recriação da realidade.
Recriar a realidade não é inventar uma história, mas sim construir uma história, ou ainda reconstruir, já que na prática da reconstrução o autor usa a verdade com a sua linguagem, sua estilística e estética.

A Bíblia não deixa de ser autentica por ser literatura, apenas se eleva a um nível de maior consideração. Nunca existiu um livro com tantas possibilidades de estudo quanto a Bíblia e restringi-la destes estudos literários usando a fé como pretexto tem sido o maior empecilho para estes estudos.



Com esta visão, seccionarei alguns estudos que explicitem esta teoria, principalmente no que se diz a ficção bíblica que considero ser o ponto de polêmica para a consagração desta como obra literária

AUTOR: Rogério de Jesus Nascimento


Fonte: http://www.artigonal.com/literatura-artigos/a-biblia-como-obra-literaria-960432.html


Rogério de Jesus Nascimento escreve artigos sobre comunicação em termos gerais, sua especialidade é a literatura bíblica e análise textual bíblia. Lecionou durante seis anos na EBD em Mairinque e participou de várias conferências sobre Bíblia, comunicação, literatura etc. O objeto de estudo, textualidade, também aborda a polêmica da Bíblia como obra literária ou não, trabalho de conclusão de curso na Universidade Paulista.

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