Nos últimos dez anos os sites de relacionamentos tiveram um crescimento exponencial no seu uso e relevância para a vida pessoal e profissional dos seus usuários. No inicio do século XXI o “Orkut” conquistou espaço na vida virtual dos brasileiros. Com o passar dos anos percebeu-se a constante necessidade de estar conectado. Atualmente, as redes de maior influencia no Brasil (Facebook, Twitter e Linkedin) tem relevância garantida em ambientes profissionais, em gestão de negócios, em comunicação e em pesquisas.
Seguindo esta tendência, em busca da conectividade as pessoas têm criado diversos perfis virtuais e passam dias inteiros ‘logadas’ acompanhando cada postagem realizada pelos membros da sua rede. Tudo isso é motivado pelo desejo de ser informar instantaneamente. Tem-se vivido ‘ON’. Em decorrência da opção por este estilo de vida virtual, os contatos (humanos) passam a ser realizar quase que exclusivamente através da rede. (Hoje, não contamos novidades aos amigos, postamos na rede! Não ligamos para parabenizar pelo Aniversário, deixamos ‘scraps’ de ‘feliz niver’! O famoso ‘que bom lhe ver novamente’ não é pronunciado em um encontro, mas é postado em um perfil.)
A comunicação está sendo alterada não apenas pela mudança dos meios comunicação, mas é atingida até em seu idioma. Novas palavras e verbos são criados: twittar já pode ser conjugado!
Enfim, uma coisa é certa: a internet veio para ficar! E as redes sociais mudaram o mundo. De certa forma elas aproximaram pessoas e culturas que viviam longe. Embora, tenham afastado muitos que viviam próximo – amigos que deixaram de estar ligados um ao outro, para estar apenas ‘na rede’.
Na rede algumas conexões são reais, outras são frágeis, muitas são apenas virtuais e decididas por apenas um click. Mas, qual será o motivo para tamanho sucesso das redes sociais? Talvez, seja o íntimo e sincero desejo do ser humano de não estar só. Todos nós desejamos estar ligado a alguém. Conexão é a palavra chave. O seu humano tem a necessidade de se relacionar. Embora, alguns tentem se iludir com uma aparente auto-suficiência, nós fomos criados para estar conectados ao próximo e a Deus.
O Conceito de Unidade
Nos relatos bíblicos sobre nossa origem é possível identificar a primeira alusão a uma vivencia em unidade: Primeiro em Deus (“E disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem...” Gn 1:26), o que nos mostra que a multiplicidade está na essência de Deus sem ameaçar sua unidade trinitária. Em seguida, ao longo dos capítulos 2 e 3 de Gênesis conhecemos a narração sobre a criação de Adão e Eva e sobre a unidade que havia entre eles, entre ambos e o meio ambiente no qual viviam e entre os dois e Deus. De modo que é possível percebermos que o ser humano foi gerado em um ambiente de relacionamentos horizontais (entre pessoas e meio ambiente) e vertical (com o ser e Deus).
Unidade é uma característica de um relacionamento maduro, aperfeiçoado e crescente. Ela pode acontecer em diversas relações. É possível viver em unidade com Deus, com o cônjuge, com a família, com amigos, com irmãos, como também com a Igreja. Neste trabalho, faremos reflexões e considerações sobre a experiência da unidade entre os membros da Igreja de Cristo.
Cabe esclarecer a definição de Igreja que está sendo utilizada nesta obra. Referimo-nos a Igreja Universal invisível e indivisível de Cristo estabelecida por Ele mesmo, conforme mencionado em Mateus 16:18 por Jesus e em 1 Coríntios 12: 13 e 27 por Paulo. Também chamada de ‘A noiva de Cristo’ (2 Co 11:2), ‘Casa Espiritual’ e ‘Sacerdócio Santo’ (1 Pe 2:5), por Pedro. É sobre esta instituição que não se limita por espaço geográfico, tempo, etnia e costumes que trataremos.
Primeiramente, é preciso compreender o que NÃO é unidade.
a) Unidade NÃO é Unanimidade: Unânime é o grupo de pessoas onde não há discordância ou variação de opinião, no qual todos possuem o mesmo pensamento e sentimento. Unidade pode existir em meio a unanimidade, entretanto esta não é pré-requisito daquela.
b) Unidade NÃO é Uniformidade: O dicionário Priberam define ‘uniforme’ como algo “Que só tem uma forma; que não varia nada, que é sempre o mesmo;. Regular; igual; constante, compassado.” A unidade da igreja não depende de uma uniformidade de organização e de gestão. A unidade convive pacificamente com a multiforme graça.
c) Unidade NÃO é União: União é uma associação entre duas pessoas ou mais. Trata-se de uma filiação motivada por algum propósito. Porém ela não garante a existência ou a manutenção da Unidade.
Afinal, o que é Unidade? Merrill Tenney, ao tentar responder esta pergunta, faz a seguinte consideração:
Unanimidade significa uma concordância absoluta de opinião dentro de um determinado grupo de pessoas. Uniformidade é a completa similaridade organização ou de ritual. União significa afiliação política, sem necessariamente incluir concordância individual. Unidade exige unicidade do interior do coração e propósito essencial, através de um interesse comum ou de uma vida comum.
Podemos entender a proposta de Deus para a unidade da Sua Igreja se observarmos a sua trindade. O Deus Trino (Deus Pai, Deus Filho e Deus Espírito Santo) são um. Possuem a mesma essência, embora se manifestem em três pessoas distintas. Entre as pessoas de Deus há características e ações que as diferem entre si. Entretanto, convivem em perfeita harmonia, sintonia e unidade.
O mistério da trindade é exposto por Cristo em diversas passagens bíblicas. Em João 14: 7-11 Jesus declara sua perfeita e completa unidade com o Pai. De modo que é possível observar que multiplicidade de formas e diferenças pessoais não são impedimentos para à vivencia da unidade. Se aplicarmos esse princípio ao convívio e relacionamento com os membros que compõem a Igreja, conseguiremos experimentar a proposta apresentada em João 17:21: “Para que todos sejam um, como tu, ó Pai, o és em mim, e eu em ti; que também eles sejam um em nós, para que o mundo creia que tu me enviaste.”
Experimentar a unidade nos relacionamentos com o próximo é viável. Esta unidade perfeita do Deus Trino é um espelho do que podemos alcançar. A solidez dessa unidade está garantida no sacrifício vicário de Cristo, o qual estabeleceu o novo tempo (de Graça) e sua própria ekklesia – comparada como Seu Corpo. ( 1 Co 12:12-27).
Sobre isto Keith Phillips faz a seguinte observação:
Um corpo Cristão que funciona procura estimular a maturidade de todos os seus membros. Como o corpo não é mais forte do que sua parte mais fraca, a saúde depende do bem-estar de cada membro. (...) O relacionamento entre os membros do corpo é tão intimo que aquilo que afeta a um afeta a todos. (...) Os membros de um corpo maduro ultrapassam a idéia incompleta de “ir a igreja” e entendem que são a Igreja. Em Cristo, os discípulos estão “sendo edificados juntos, para se tornarem morada de Deus por seu Espírito.” (Ef 2:22) Não mais restrita a tijolos e argamassa, a igreja funciona com força total no mundo dos negócios, na escola e na vizinhança.
A comparação da composição da Igreja com um corpo humano, tendo Cristo como cabeça, é uma ilustração exemplar do projeto de unidade criado por Deus: a fusão perfeita, completa e sincrônica do diferente, resultando em uma realidade nunca antes experimentada quando estavam separados. Esta unidade pressupõe a diversidade sem desprezar ou invalidar a individualidade. E pode, deve e precisa ser experimentada em nossa historicidade (história vivida) como cristãos. Ela faz parte de nossa jornada espiritual.
Sobre o Conceito de Espiritualidade
Compreender o conceito de espiritualidade não é algo tão simples. Existem àqueles que, ao tentar defini-lo, simplesmente agregam um adjetivo (cristã) e encerram suas reflexões.
Entretanto, para ponderarmos sobre ‘o que é espiritualidade’ precisamos, primeiramente, definir um espaço-tempo.
Ao estudarmos a compreensão ou a vivencia da espiritualidade temos que identificar um grupo de pessoas específico e um recorte temporal (a época). Isto porque àquilo que povos europeus ou asiáticos compreendem hoje por espiritualidade não é o mesmo que pensavam alguns milênios atrás. E mesmo povos contemporâneos entre si possuem perspectivas distintas sobre vivência espiritual e religiosa.
Sendo assim, para conhecermos e entendermos o que é espiritualidade e espiritualidade cristã para os brasileiros, teremos que levar em conta o contexto latino americano, nossa trajetória política e social na História, nossos dilemas atuais e nossas heranças históricas. Porque a vivencia e a experiência da espiritualidade acontece em um contexto relacional, com pessoas que estão inseridas em situações sociais, políticas, religiosas e ambientais.
Em nossas aulas na Faculdade Teológica Sul Americana, foi apresentada uma boa proposta de definição de espiritualidade:
Podemos defini-la como uma qualidade não material que diz respeito à vivência, envolvimento, dedicação religiosa em geral, à luz de reflexão e entendimento. Mas, podemos falar também de espiritualidade cristã, que é aquela forma de espiritualidade específica da fé cristã e sua vivência. Neste caso, o seguimento religioso e a experiência mística são orientados pela fé.
Assim, ao tratarmos de espiritualidade cristã no contexto latino-americano precisamos dialogar com mais dois conceitos distintos do primeiro, a saber, o conceito de fé e o conceito de religião, porque toda a vivencia desta espiritualidade está diretamente relacionada com nossas heranças e práticas religiosas e com nossa fé centrada em Cristo.
Artigo de Flavianne Vaz D. Melo da silva