A mulher de Moisés aparece em ocasiões importantes na história do Êxodo. O encontro nas terras áridas de Midiã dá início ao enlace (Ex 2.16,22). Ela e suas irmãs cuidavam do rebanho do pai, davam comida e água. Numa dessas tarefas diárias chegam a um poço, mas foram expulsas de lá por alguns pastores. Moisés defende as moças e ele mesmo dá águas ao rebanho. Com essa atitude, querendo fazer justiça às moças, Moisés certamente impressionou Zípora, que devia ser a filha mais velha de Jetro, pois logo é dada em casamento segundo a tradição do povo.
Ao dar a luz ao primeiro filho, a mulher percebe que o marido se sente um peregrino, um estranho nas terras de Midiã. Depois de receber de Deus a ordem para tirar Israel do Egito, Moisés reconhece sua natureza hebreia e sua ligação íntima com aqueles escravos que deixou lá. O pacto da circuncisão, a marca física da aliança de Deus com Abraão, Isaque e Jacó, parece ter sido o começo de uma crise entre Zípora e Moisés.
Provavelmente, era um ritual estranho para ela e os dois estavam em desacordo. Tanto que ao perceber a fúria de Deus em relação ao atraso de Moisés em sua partida, é Zípora que, com uma pedra, pratica o ato da circuncisão do filho. Seu descontentamento é marcante na expressão: Marido sanguinário! (Ex 4.25-26). Uma crise familiar se estabelece. Primeiro porque o marido recebe de Deus uma missão de enfrentar Faraó, o principal de uma dinastia. A vida simples no deserto não era mais atraente para ele. Assim, a mulher se sentia obrigada a segui-lo e deixar o convívio com o pai e as irmãs. Tudo o que Zípora acreditava, tudo o que amava, ficaria para trás em função daquela súbita transformação de Moisés.
Qualquer tipo de mudança sempre tem os seus prós e contra. A pessoa não pode tomar uma decisão radical em sua vida sem antes ter certeza dos benefícios que tal atitude acarreta. Zípora foi com o marido para o Egito e depois voltou para o convívio do pai. Somente quando Israel já estava no deserto é que Jetro trouxe a filha de volta para o marido (Ex 18.2). Os motivos dessas idas e vindas não estão registrados no livro sagrado, mas podemos imaginar que, ou Moisés quis preservar a vida da esposa e dos filhos, ou os dois viviam em desacordo com a situação que se estabeleceu no Egito. Mas o texto informa que havia uma relação harmoniosa entre Moisés e o sogro. Este até lhe deu um conselho importante que logo o genro colocou em prática (vs 21).
Zípora se limitou a criar os filhos e desaparece na história bíblica. O filho mais novo com o nome de Eliezer traz a memória os temores e desconfortos da estadia no Egito durante o processo de libertação conforme o dito de Moisés (Ex 18.4). Assim, podemos entender que a crise na vida dela não foi algo temporário. Mas, aprendemos com esta mulher as dificuldades de se romper tradições, de enfrentar o novo, o desconhecido. Zípora, cujo nome em hebraico lembra os pássaros, aprendeu a voar e com os hebreus no deserto compartilhou de suas atividades e a confiar no Deus de Israel.
Texto extraído do livro Mulheres em Crise de Marion Vaz
Adquira na Editora PerSe