sexta-feira, 4 de junho de 2010

Um despertar diferente...

Fazia frio naquela manhã. O cheiro de terra molhada entrava pela brecha da porta. Cinco crianças enroladas em cobertores dormiam tranquilas em suas pequenas e frágeis camas. Do lado de fora, podia-se ver nas folhas das árvores respingos do orvalho. Alguns animais saiam de suas tocas à procura de comida.

No pequeno pomar uma goiabeira mostrava seus frutos amadurecidos. Mas adiante dona Maria cultivava uma horta com alface, agrião, cheiro verde e cebolinha. A bertalha crescia nas madeiras que cercava o quintal, formando um imenso muro verde.

Mas um dia comum para aqueles moleques que abriam os olhos, esfregavam as mãos para afugentar o frio e se espreguiçavam alongando os braços finos. Os mais velhos já tinham em mente as obrigações diárias: regar a horta, recolher o milho que crescia, ou qualquer outra fruta que estivesse pronta para comer.

As meninas limpavam o jardim, recolhiam as folhas que caiam das árvores e arrancavam com as próprias mãos as ervas daninhas que nasciam para tirar a beleza do jardim.

A casa não era grande e ainda havia cômodos em construção. A parte antiga já mostrava nos tijolos que o embolso estava se deteriorando. Mas em pouco tempo tio Esídio, que se considerava um ótimo pedreiro, daria um jeito em tudo aquilo.

O sol escondido atrás dos galhos do abacateiro penetrava timidamente pela brecha de janela de madeira. Mas aquele raiozinho insistia em cobrir o rosto de Wando. Não tinha jeito, era hora de levantar. O banho frio terminava a tarefa de espantar a preguiça.

Na cozinha, podiam-se ouvir os passos de dona Maria arrastando o chinelo velho no chão. Aquela boa senhora já beirava os quarenta anos. Mas que barulheira! Ela abria e fechava as portas do armário de ferro, tirando xícaras e copos, talheres e panelas. O pão quente saía do forno deixando no ar um cheiro gostoso que trazia todos os moradores para a cozinha. O café fumegava no fogo e depois era distribuído nas canequinhas com um pedaço do pão e uma travessa de angu.

Todos sentados em volta da mesa davam as mãos para a primeira oração do dia, agradecidos pela refeição. O pai estava longe, navegando em alto mar. Um olhar de dona Maria era o suficiente para manter os filhos quietos. As meninas, Olga e Marlene, tinham entre nove e sete anos. Mesmo no período das aulas cada filho tinha suas obrigações dentro e fora de casa. Oscar, o mais novo, vivia fugindo de suas tarefas.

Quando seu José chegava de viagem trazia alimento e presentes. Não era de paparicar os filhos, mas era um bom pai. Enérgico, muitas vezes. Miguel, o filho mais velho, apanhava quando fazia algo de errado.

Tio Esídio chegou da rua naquela tarde e trouxe uma surpresa para os meninos. Era um papagaio. Tagarela! Daquele dia em diante tudo passou a ser diferente. Não é que o bicho aprendia tudo gente falava! E repetia!

Aos primeiros raios do sol aquela voz aguçada, que já fazia parte da rotina do dia a dia, quebrava o silêncio da casa, tagarelando sem parar:




- Acorda dona Maria! Quero café! Quero café! Dona Maria! Foi na cruz, foi na cruz, onde um dia eu vi... Dona Maria! Quero café!








Marion Vaz

A história do papagaio que cantava o hino 15 da harpa cristã foi contada por Miguel Vaz.

A autora do conto deixou a imaginação fluir para trazer de volta as poucas memõrias de um tempo que já se foi.


Um comentário:

  1. Excelente!!! é o tipo de narrativa que deixa um gostinho de "quero mais".

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