quinta-feira, 4 de agosto de 2011

A Outra Face da Cruz

A imagem de um cristo abatido e apático, com o rosto coberto de sangue e olhar perdido, tem sido uma marca registrada ao longo dos anos nas pinturas e fotos.



Um homem de cabelos compridos, face marcada pelo sofrimento, semi nu, exposto numa cruz de madeira, pode ser visto em qualquer centro religioso, Igrejas e Catedrais, hospitais e/ou no pescoço das pessoas como pendente de um cordão.

Outras imagens mostram o mesmo cristo de rosto lavado, cujos cabelos cobrem os ombros, olhar cativante e uma expressão facial de um ligeiro e quase imperceptível sorriso, também fazem parte de calendários, santinhos e estão nas paredes das casas.


Ao observarmos tais imagens que inspiram suspiro e orações de devotos, que fazem o sinal da cruz demonstrando toda a sua religiosidade, ativa ou inativa, podemos dizer que fazem parte do cotidiano.



Embora que, as razões que levaram o cristo a deixar-se crucificar variem de religião para religião, multidões se convertem diariamente, e rios de lágrimas significam arrependimento e devoção.

Mas a outra face da cruz também pode ser vista nas observações dos historiadores como nos mostra esse artigo de Frederick Goldman – O Outro 1492 – publicado na revista Bnay Brit – Herança Judaica (1992), cujo tema central é a trajetória dos judeus frente ao antissemitismo europeu.

Segundo Goldman, acordos políticos na Inglaterra, França e posteriormente Espanha e Portugal, obrigaram os judeus a se converterem ao Cristianismo sob pena de serem expulsos.

Ao se recusarem a abandonar suas crenças e suas tradições “venderam seus lares e pomares por qualquer valor que conseguissem e partiram”. Andres Bernaldez escreve em História dos Reis Católicos: “... Rezaram suas últimas preces nas sinagogas... e saíram da terra onde nasceram, jovens e adultos, velhos e crianças, a pé ou montados em burricos ou outros animais, em carroças... Caminhavam pelas estradas e pelos campos, com muito esforço e pouca sorte, alguns desmaiando, outros dando a luz, outros passando tão mal que não havia cristão que não sentisse pena deles... E assim saíram de Castela”.

Nem mesmo judeus ibéricos que gozavam de um status especial, considerados “servos da coroa”, cujo ofício de conselheiros, tesoureiros do reino escaparam do cruel destino. Muitos judeus que tinham alcançado cargos importantes no decorrer dos anos eram agentes do mercado financeiro, penhoristas, banqueiros, cobradores de impostos e serviam a coroa, a Igreja, a nobreza e aos donos de terras.

Alguns tinham laços de amizade com o rei de Aragão e conta-nos Goldman que as primeiras viagens marítimas de Colombo que resultaram em descoberta de novos continentes, foram custeadas pelos judeus ibéricos. Assim como os próprios instrumentos náuticos de navegação utilizados, foram inventados por judeus.

Eram eles que, através de fundo de empréstimos de comunidades judaicas, custeavam os exércitos, compravam canhões para reforçar o exército de Fernando e compravam suprimentos de alimentos para equipar a força militar.

Assim, quando o Edito de Expulsão de 1492 foi anunciado, os judeus não se sentiram ameaçados e tentaram de todas as forças negociarem, já que enormes somas de dinheiros eram “oferecidas” pelas comunidades judaicas a coroa, para custearem as guerras. Acharam que levariam em conta os serviços prestados a sociedade e a coroa. O pagamento pela “estadia” que enriquecia reis e reinos, desmantelava a herança judaica.

Essa visão tática seria copiada mais tarde pela Inquisição cujo “zelo” da cruz levaria milhares de judeus ao martírio.

No editorial da revista, Ernesto Strauss afirma que “a experiência histórica dos judeus, seja recente ou a mais remota, adverte para os perigos da discriminação de raças e credos”.

Assim, o ano de 1492 é associado ao Descobrimento da América, também marca o termino da existência da comunidade judaica na Espanha.

“Mas o sentimento popular contra os “inimigos de Cristo” (os judeus) já circulava entre as gentes há muitos anos atrás. A peste Negra devastou a Europa, causando fome e desordem social, mas a culpa recaiu sobre os judeus. Sinagogas e casas foram queimadas. Em 1391 em Barcelona, 11.000 judeus foram assassinados, outros milhares nas demais cidades. O que se repetiu em 1449 e 1467” Informa Goldman.

Para escapar da morte, uma multidão de judeus foi obrigada (sentenciada), a conversão e ao batismo nas igrejas. Muitos deles viram nisso a “salvação” de suas vidas e respectivas profissões, mas muitos continuaram praticando secretamente o Judaísmo.

Como todo processo de “adaptação” tem suas vantagens, fizeram carreira em quase todas as instituições municipais, judiciárias e legislativas, como também casaram com membros de família nobres.

Os conversos e seus descendentes proliferaram de tal forma, segundo o historiador Denys Hay, que se deu início ao conceito de “limpeza do sangue”.

Para revigorar e fortificar a fé cristã era preciso elaborar uma estratégia contra os conversos. Assim nasceu a “Santa” Inquisição. Foi em Servilha, em 1481, que os primeiros judeus foram queimados vivos, cujo único pecado atribuído era a fidelidade a sua religião ancestral – a religião de Moisés.

Já em 1488 mais de 700 “hereges” também foram queimados, 5000 castigados, 15000 indicados e “reconciliados” por meio de torturas. As confissões de “crimes” eram arrancadas por meio dos mais violentos meios de tortura.


A Cadeira da inquisição

Uma cadeira de madeira com seus assentos cobertos de espinhos.






As costas, os braços, as pernas e os pés da vítima eram penetrados por esses espinhos que eram apertados com cintos de couro para pressionar cada vez mais a vitima.

Essa peça foi usada na Alemanha até o século XIX, na Itália e na Espanha até o final de 1700 e na França e outros países europeus até o final de 1800.

A Inquisição foi implantada em outros lugares e continuou por séculos. A derradeira execução aconteceu em Valencia - Espanha em 26 de junho de 1826. Mas somente em 15 de julho de 1834, a Inquisição foi finalmente declarada ilegal. Até essa data trezentos mil casos foram julgados, conversos martirizados e 30.000 judeus tinham sido queimados vivos.

Segundo Goldman, dezesseis navios partiram de Cartagena em Aragão com destino a Itália em dois de agosto de 1492 em resposta ao Edito de Expulsão. A maioria dos judeus atravessou as montanhas em direção a Portugal. Na fronteira, pagaram fortunas por vistos temporários de residência. Essa comunidade judaica sobreviveu até 1496 quando acordos políticos entre o rei Manuel e Fernando exigiram que os judeus de Portugal se convertessem sob pena de expulsão (de novo).

Cecil Roth informa que “dos judeus que embarcaram nos navios, nem todos conseguiram sobreviver. A maioria foi roubada e morta pelos capitães dos navios ou por piratas. Os sobreviventes que chegaram aos portos “civilizados” estavam mortos de fome e foram recebidos por “frades zelosos” que ofereciam pão em troca do batismo.”
Somente em 1968 o Edito de Expulsão de 1492 foi anulado pelo governo espanhol. Pedidos de desculpas, tanto do governo de Portugal como da Espanha foram feitos aos judeus da diáspora na década de 90.

Infelizmente, a História registra outros casos de antissemitismo relacionados à intolerância religiosa e a tal “limpeza do sangue” , que perseguiram judeus e se alastrou em outras partes do mundo.

Outra face da Cruz foi registrada no Evangelho de João (13.35), mas pelo que eu relatei acima, essa parece ter se perdido no tempo:

“Nisto conhecereis que sois meus discípulos, quando vos amardes uns aos outros”.




Referências:

Fonte: Revista B`nai Brit – Edição out/1992

Andres Bernaldez – Historiador espanhol

Cecil Roth - Historiador e acadêmico britânico de religião judaica.

Denys Hay – Historiador especializado na Europa Medieval e Renascentista.

Ernesto Strauss – Editor e diretor cultural da revista B`nai Brit

Frederick Goldman – Ensaista de história e cultura judaica com artigos publicados no The NY Time.

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